“A fome não espera” e “Chega de panelas vazias” são mensagens de um protesto de mulheres de organizações sociais […]
Argentinos vão às ruas contra políticas do Presidente Javier Milei
“A fome não espera” e “Chega de panelas vazias” são mensagens de um protesto de mulheres de organizações sociais em frente à residência oficial de Olivos, uma espécie de aperitivo do que está por vir – Luis Robayo / AFP
Os trabalhadores argentinos cruzam os braços em greve geral nesta quarta-feira (24), quando pretendem encher as ruas de todo o país para protestar contra a proposta de ajuste neoliberal que o presidente Javier Milei tenta implementar. O governo, por sua vez, afia as garras e volta a prometer linha dura para reprimir os manifestantes de acordo com seu protocolo de segurança, assim como havia feito, sem sucesso, no protesto anterior, em dezembro, quando o trajeto previsto foi cumprido e chegou ao seu destino.
A CGT (Confederação Geral do Trabalho), que convocou a paralisação, pretende fazer mobilizações em todas as praças de todas as capitais provinciais, para exigir que os deputados não aprovem a chamada Lei Ônibus, pacote de mais de 300 medidas que Milei tentou impor a partir de decreto em dezembro de 2023. Como foi impedido de fazê-lo por decisão da Justiça, ele precisa da aprovação do Congresso. É por isso que a sede do Legislativo será justamente o ponto final da marcha prevista para a capital, Buenos Aires.
Com o passar dos dias e a iminência da greve, começaram a surgir na Casa Rosada, sede do governo, planos no sentido de tentar controlar a manifestação, ordená-la de alguma forma, evitar que avenidas importantes sejam bloqueadas. O sentimento em relação a essa intenção foi resumido nas palavras de Pablo Moyano, secretário adjunto do Sindicato dos Caminhoneiros, membro de uma família conhecida no meio sindical argentino. A manifestação vai ser “incontrolável tamanha a quantidade de trabalhadores mobilizados”, disse o líder sindical.
Segundo ele, ninguém intimida os trabalhadores “com multas nem com milicos”. Com uma única frase, ele retrucou o protocolo de segurança e também a ameaça do governo de descontar o dia de todos os funcionários públicos que aderirem à greve geral, chegando a abrir uma linha telefônica para denúncias contra pessoas que “obriguem” algum trabalhador a cruzar os braços — embora o direito à greve esteja consagrado na Constituição.
Moyano ainda ironizou os protocolos do governo e perguntou se querem que os organizadores levem os manifestantes nos braços. “Como vamos respeitar o protocolo? Devo levar no colo os 40 mil caminhoneiros que vou mobilizar? Ou em fila indiana? É impossível”
Patricia Bullrich, a candidata derrotada na última eleição que virou ministra da Segurança, respondeu usando a mesma expressão. “Moyano pode levá-los no colo se quiser, mas nós vamos fazer cumprir o protocolo o máximo que pudermos. É nossa obrigação dizer à sociedade que está liberada para ver, ao se levantar pela manhã, se há um bloqueio ou não”, afirmou em entrevista à rádio Play, numa referência ao que considera um excesso de manifestações que prejudicam o tráfego.
A ministra antecipou que o governo trabalhará para que “as pessoas tenham a maior normalidade possível, tentando garantir que, se elas forem ao Congresso, as ruas adjacentes não estejam totalmente ocupadas”. Bullrich qualificou a greve como “uma reação desmedida” e afirmou que a CGT “dormiu a sesta durante anos”, numa crítica à postura da central sindical durante o governo de Alberto Fernández (2019-2023).
Sobre o protocolo antibloqueios, Moyano argumentou que é uma tentativa da ministra de “demonstrar autoridade” diante de “seus mandantes, as corporações que hoje governam o país”. “Garantimos às pessoas que será uma mobilização pacífica”, disse.
Milei é o chamado “modelo populista”
Questionado sobre a greve em uma entrevista, o presidente Javier Milei assegurou que aqueles que convocam a protestos defendem “um modelo populista” que “gerou um país com 50% de pobres e 10% de indigentes”. Afirmou que a greve mostrará que há duas Argentinas e perguntou: “Queremos esse modelo (populista) ou queremos o modelo que nos coloca no caminho de ser um país desenvolvido, que é o que nós propomos?”.
O presidente da Associação de Trabalhadores do Estado, Rodolfo Aguiar, respondeu a Milei: “o presidente está errado quando diz que a greve mostrará duas Argentinas. A Argentina é uma só, o que a greve vai mostrar claramente é que há dois modelos de país. Se algo vai começar a acontecer em 24 de janeiro é que nas ruas começará a se plebiscitar o programa econômico que o governo nacional pretende aplicar”.
As centrais sindicais acusam o presidente de tentar repetir as receitas fracassadas da ditadura e dos governo de direita de Carlos Menem e Macri. “Infelizmente, o preço da fome, do sofrimento, da penúria será pago por outros. Milei vai passar para a história como mais um daqueles que tentaram levar a Argentina para o fundo e se chocaram contra aqueles que têm dignidade para defender seus direitos”, disse o deputado Hugo Yasky, ligado à CTA (Central de Trabalhadores e Trabalhadoras da Argentina).
“Milei se percebe como um líder messiânico que fará a Argentina voltar a ser a de 1905, um país em que os pobres não tinham nenhum direito, em que eram anônimos e sofriam a fome em silêncio, baixando a cabeça, e em que os poucos que saíam para lutar eram reprimidos ferozmente. Este é o país que Milei acredita que precisa ser refundado, por isso ele odeia o populismo, ou seja, odeia o peronismo”, afirmou.
Aviões devem ficar no chão
Os diferentes sindicatos aeronáuticos se juntarão à greve geral da CGT, o que poderá causar complicações nos voos dos diferentes aeroportos do país. A Associação do Pessoal Aeronáutico, que reúne os trabalhadores em terra e é o mais numeroso da atividade, anunciou que realizará uma greve de 24 horas, a partir da meia-noite de quarta-feira.
“Não serão apenas os trabalhadores e aposentados, mas uma enorme maioria que rejeitará este ajuste poderoso e regressivo, que é impulsionado de Buenos Aires, mas que rapidamente chega às províncias e a todos os municípios”, afirmou Rodolfo Aguiar.
Milei quer taxar salários mais baixos
Após reformular pontos da Lei Ônibus, o governo decidiu apresentar outro projeto para mudar a cobrança do Imposto de Renda sobre os salários dos trabalhadores. O objetivo é passar a cobrar imposto daqueles que recebem um salário mensal a partir de 1,35 milhão de pesos brutos (cerca de R$ 8,1 mil).
Dessa forma, cerca de 800 mil pessoas que haviam deixado de pagar o imposto no final do ano passado voltariam a pagá-lo. Atualmente, apenas são tributados os salários brutos superiores a 1,98 milhão de pesos (cerca de R$ 11,9 mil).
O peronista Sergio Massa, candidato derrotado por Milei, criticou o projeto. O próprio Milei, quando era deputado, havia apoiado a reforma que eliminou a cobrança de imposto para essa faixa de trabalhadores — reforma de autoria de Massa, então ministro da Economia.